Choro de Domingo





Domingo é dia de chorar. 

É dia de sentar e organizar o planejamento semanal e sentir o nariz arder com um infinito de tarefas que não fazem sentido. 

Levei metade da existência para entender que a porta que eu quase abri há anos era a porta certa. A vida me fez olhar para outras janelas, me contorcer para me encaixar em passagens menores e obscuras. Mutilei meus sonhos no desespero de me encaixar em uma lógica que fazia sentido apenas para os outros. 

Tomei decisões que me arrependo. Outras que não, mas que tenho consciência que me fizeram navegar pelos dias com o freio de mão puxado. É muito combustível, muito esforço, que poderia ter sido evitado. 

Ouvi que sou estranha a vida toda. Estranha também era sinônimo de introvertida. Aquela que encontra conforto em livros e não na novela ou na festinha dos colegas da escola. Quantas festinhas eu fui sem querer ir, só pra não ser a esquisita da turma? Esteja presente para não falarem de você pelas costas, um chefe me disse para me convencer a ir no Happy Hour (de sexta-feira, esgotada pela semana que tinha drenado minha energia). 

Se a demanda maior não tivesse vindo de dentro de casa eu não teria me desesperado para sair do ninho. Se as dívidas que fizeram no meu nome em princípio não pesassem na logica do mercado, eu acredito que teria conseguido comprar um cantinho pra mim. Com o score no nível do solo, apenas com outra pessoa conseguiria sair do sufocante cantarolar de 'você já tem quase 30 anos, era para estar em uma situação melhor'. 

Hoje, com quase 40, sinto que a situação financeira está desesperadora, porém, dessa vez, estou certa do meu caminho. Não vou passar anos da minha vida trabalhando com algo que me faz chorar todos os dias. Não posso trocar minha saúde mental por um holerite. 

Quando sento para planejar minha rotina semanal no domingo, sinto o choro me sufocar porque era isso que deveria ter feito há dez anos. Vinte anos atrás eu tinha certeza que meu futuro estava na escrita, no lúdico, nos filmes e há dez eu enterrei essa certeza porque não conseguia pagar sequer um aluguel. 

Troquei a certeza por um dinheiro que não veio. Troquei os roteiros por construtoras que assediavam os funcionários, que silenciavam as denúncias e que fingiam que nada estava acontecendo. Troquei o 'o que tem de errado com você?' por um relacionamento tóxico que fez acreditar que realmente havia algo errado. Essa estranha que não gosta de carne, de churrasco, de som alto e família conversando enquanto desenrolam a lógica machista de 'homem na churrasqueira, mulher no fogão'. 

Hoje eu choro porque sei quem eu sou e onde quero chegar. Ainda não tenho certeza do caminho, mas sinto o desespero de querer recuperar o tempo perdido, de chegar AGORA onde eu sempre sonhei. Virar as costas e não voltar mais para um espaço que me limita. 

Choro hoje porque gostaria de estar fazendo um planejamento semanal diferente, mas pelo menos, dessa vez, eu tenho uma direção.  

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