A velocidade incapacitante




As vezes me sinto uma senhora de 70 anos. 

Acordo de manhã e a primeira coisa que faço é ler as notícias do dia. Lembro do meu avô que recebia o jornal e lia enquanto tomava café. No meu caso, leio as headlines no meu portal favorito, no celular mesmo, enquanto bebo os 500ml de água que a nutricionista mandou. Ler é a melhor distração para essa tarefa tão ingrata que é beber tanto liquido assim... logo ao acordar. 

Clico nas matérias mais importantes, vejo quais colunistas me agradam e dou uma olhada na previsão do tempo e no horóscopo (sabe como é. Não acredito nas bruxas, mas que existem, existem). 

De uns meses pra cá, percebo uma redução considerável no nível de complexidade das matérias mais 'urgentes', aquelas que 'todos precisam saber' para ficarem atualizados. Ao invés de um texto corrido, agora as notícias são apresentadas em estruturas de tópicos e uma linha do tempo quase infinita se atualiza diversas vezes, criando mais um mini-parágrafo que faz com que o início da história vá mais para o final da página. 

As pessoas estão com tanta pressa que mal podem ler um texto corrido? Não existe mais demanda para um começo, meio e fim? Agora as noticias ficam em formato de tópicos printáveis como as checklists de Instagram e TikTok?

O jornalismo reduzido a tópicos é um reflexo de uma cultura da pressa, onde ler um texto é perda de tempo. A qualidade jornalística precisa se rebaixar a essa velocidade que incapacita cérebros de focar em um único assunto por mais de oito segundos. 

Em um mundo onde todos estão se autodiagnosticando com um grau de TDAH, o jornalismo precisa de autoflagelar para que continue existindo. 

Meu lado velhinha se preocupa com o que acontecerá daqui algumas décadas. Será que ainda vamos conseguir sentar na varanda, sentir a textura do jornal e o gosto do café na caneca de metal? Ou será que vamos preferir fazer o download das notícias selecionadas em alguns segundos antes de seguir com nossa correria diária?

Seria essa uma prévia do Black Mirror que vamos viver?



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