Malhando com Ódio - A primeira semana

 






Dia 1

Fiz a matrícula com pouca disposição. Fui em uma academia que é relativamente perto de casa e espero que a distância não me desmotive. Escolhi esse local específico por ser famoso por ter pessoas empenhadas com a malhação. Talvez olhar a bunda durinha de uma blogueira fitness vinte anos mais nova me motive pela inveja. Não tenho certeza.

Ao chegar fui encaminhada para a sala dos iniciantes. Muitos velhinhos e adolescentes que estavam claramente precisando de ajuda. Só não me senti constrangida porque o professor me deu bastante atenção, perguntou sobre meus joelhos (um com condromalasia e outro com tendinite) e me passou uma série relativamente leve.

Os dez minutos de bike como aquecimento já fizeram minhas coxas gritarem. A carga estava pequena, mas tinha que fazer um certo esforço. Me questionei o quanto estava sedentária logo alí.

Os equipamentos de musculação em si eu até lembrava como funcionavam. Também lembrei da sensação degradavel de queimação nos músculos inferiores e a sensação de estar carregando uma montanha em cada braço no final de uma série de quinze levantamentos laterais.

Uma boa surpresa foi o equipamento de tríceps. Lembro do ódio que sentia ao ter que puxar uma corda com peso e a dificuldade que tinha em me manter estática para poder fazer o exercício direito. Dessa vez, encontrei uma cadeira que travava meus braços e ao empurrar uma garra, estava automaticamente forçando o tríceps. Quase sorri.

Ao final, o professor me passou mais alguns minutos de esteira que tirei de letra, afinal, de caminhada eu entendo. Percorro alguns quilometros diariamente por conta do meu trabalho, mas só consegui fazer com uma velocidade moderada e com cuidado para não tropeçar nos joelhos moles.

Voltei para casa esfomeada, mas aguentei firmemente até a hora da janta.

 

Dia 2.

Lembrei porque desmotivo tão rápido. Mudança de rotina destrói meu foco. Como sou prestadora de serviços, agendo o vistorias no período da manhã e deixo a tarde livre para fazer ligações e agendar novos clientes no dia seguinte.

Gosto bastante dessa rotina. Apesar da PJ-tização do meu trabalho de engenheira e os valores UBER-izados, sinto que vale a pena ganhar menos e ter mais horas livres para meus projetos pessoais. Meu pai se irrita profundamente ao ver que tenho duas faculdades, três especializações e ganho pouco mais de dois salários minimos em média, mas confesso que estou emocionalmente esgotada de cobranças e de responsabilidades. Talvez um dia quando essa Burn Out dissipar, eu possa repensar a rotina.

Por enquanto, lembro que esse desgaste emocional é um dos motivos para ir para academia e nada me desgasta mais do que sair do meu planejamento.

Hoje vistoriei imóveis pelas manhã e me programei para fazer uma aula de Funcional as 14h, porque  pedidos de novas vistorias chegam após as 16h. Mas hoje, as 11h30 os pedidos começaram a chegar. Atrasaram meu almoço e as 14h20 agendei a última.

Pensei por algum tempo se deveria ir ou não. Saindo da rotina, mal-humorada. Tudo o que queria era um banho e meu cobertor, mas devido esse desafio que escrevo, acabei me conformando e saí de casa as 14h40. Bicuda.

Me restou a aula de alongamento as 15h. Gostei bastante, acho que estava precisando me alongar (quem diria que não conseguia mais tocar os pés?) e ao final ainda recebi uma massagem nas vertebras que estalaram feito um cereal crocante.

O estresse dos agentamentos antecipados passou e consegui lavar o cabelo mais cedo que o previsto.

Hoje o ódio não foi na academia.

 

Dia 3

Parece perseguição. É só fazer a matrícula na academia que a rotina muda do avesso. Saí as 7h da manhã para trabalhar com a intenção de estar em casa as 13h, comer e ir pra academia as 15h. Deu certo? Claro que não. Atendi cliente até as 16h, cheguei em casa 17h30, o horário em que a academia começa a lotar e meu lado antissocial bate forte.

Para ajudar não consegui parar para almoçar decentemente e comi um Big Mac no caminho entre dois clientes.

Na volta, presa no trânsito, vi uma academia com uma placa bem grande: exerício físico elimina estresse. Deve ser verdade, afinal, é difícil imaginar esganando metade da humanidade quando só consegue pensar na dor de puxar peso.

Por falar em dor, estou quebrada. Estou andando com as pernas abertas, parecendo assada. Ontem o músculo interno das coxas não estava doendo tanto quanto hoje. Atendi os clientes com um mix de frustração e sensação de ter envelhecido dez anos em uma madrugada.

Amanhã, independente da quantidade de trabalho, preciso ir até a academia.

 

Dia 4

Consegui ir pra academia entre duas vistorias e me sinto vitoriosa, apesar de ter acordado com ódio da vida.

Para começar o do começo, dormi muito mal por conta das dores. Acho que os músculos doendo e ter ficado o dia todo dirigindo se tornou uma mistura amaldiçoada que ume fez acordar a cada respiração mais profunda.

Pelo menos acordei bem cedo, fiz quatro vistorias logo de cara e a intenção era ter passado a tarde em casa, porém apareceu mais um freela para as 16h.

Minha estratégia: levei marmita. Consegui almoçar as 11h e as 13h estava pronta para ir para a academia.

Tive um pequeno lapso quando me falaram que a sala dos iniciantes estava fechada até as 15h. Pensei em voltar pra casa, mas lembrei da marmita fria que comi com o único objetivo de manter a rotina, então, fui lá.

Sim, a parte social realmente me amarra e está aí mais um desafio: ser agradável com outros seres humanos suados que querem dividir os equipamentos comigo.

Sucesso.

Dia 5

Adivinha? Sexta-feira e como toda semana estou cansada e querendo morrer. De qualquer forma estava disposta a ir fazer uma aula de funcional para tirar esse monte de celulite da minha perna, mas quando chegou a hora de sair de casa vi que a aula foi cancelada.

Para minha alegria e desculpa essencial , afinal de contas, não foi culpa minha. Foi meramente um presente do Universo. 

Dei banho nos cachorros, trabalhei a tarde e comecei um seriado novo.

Me pergunto se o fato de ir para a academia me motivou a começar o seriado também,  afinal estava sem vontade para nada, nem mesmo para ficar parada prestando atenção em streamings.

Dia 6

Bom, sábado. Minha filha ficou em casa e eu não pude fazer muita coisa, afinal eu tinha que dar atenção a ela. Até que tentei ir para a academia de manhã, mas voilá, virei a madrugada para matar o seriado e não consegui acordar.

Dia 7

Sim, domingo e eu FUI para a academia. Finalmente descobri a vantagem de uma academia 24h. A Teodora foi para o pai dela e eu já estava puxando peso as 10h, feliz e contente ao descobrir que domingo de manhã significa academia vazia. Embora que as 11h30 já estava bem cheio para meu gosto.

Aproveitei para ouvir um podcast sobre saúde mental (obviamente estou precisando).

Estava realmente querendo ouvir sobre burn out, ansiedade e depressão no trabalho desde que vi a placa sobre exercícios físicos que ajudam a dissipar esse estresse. Não é um conhecimento novo, mas é algo que eu escolhia não olhar.

Então, lá, puxando peso e odiando a queimação de músculo, comecei a refletir sobre o que me causa esse estresse todo.

Minha vida (ou falta de) social com certeza pesa.

Meu problema veio desde a desde a escola, quando tinha o cabelo pra cima, arrepiado e as crianças não queriam sentar atrás porque não enxergavam a lousa. Teve o episódio na quinta série quando um garoto simplesmente pegou a tesoura e cortou meu cabelo enquanto eu prestava atenção na aula. Não sei se minha desconfiança das pessoas começou aí mas foi um episódio bem marcante. Não dê as costas para as pessoas. Não abaixe a guarda, ou elas vão te ferrar.

Me diverti bastante mergulhando em livros e iniciando o exercício da escrita. Acho que o ensino médio inteiro me dediquei a criar e contar histórias. Meus desenhos melhoraram com os cursos que comecei a fazer e acertadamente estudei Comunicação com Habilitação em Cinema. Meu sonho? Trabalhar na Pixar, naquelas cabines cheias de brinquedos e com o mínimo de interação social o dia todo. Só eu, meus desenhos e minhas histórias.

Não percebi que a falta de vida social era o que me travava. Honestamente, acho que teria começado terapia bem antes se soubesse. Lidar com pessoas sempre me causou ansiedade, seja por conta desse medo de baixar a guarda (ficar alerta o tempo todo esgota) ou seja por medo de não ser boa o suficiente e não conseguir emprego.

Baixa autoestima e introversão devem andar juntas em muitos aspectos.

Claro que não consegui sustentar um emprego na área. Diárias de filmagem regadas a bebida e maconha me assustavam. Eu cresci muito certinha. Quando uma colega da faculdade bebeu uma cerveja pela primeira vez na minha frente eu senti que a policia ia me prender (e eu já tinha 18 anos), imagine trabalhar com seu colega consumindo drogas ilícitas.

Não. Não estava preparada para a vida. Acho que ainda não estou.

Achei que tinha encontrado meu nicho quando trabalhei para um filme da Disney. Claro, aqui, no Brasil, sendo mal remunerada, mas sonhando com uma oportunidade fora do país. Que poderia acontecer a qualquer momento, afinal, meu nome estava nos créditos!

O filme acabou,  a reserva financeira também e percebi que não tinha feito nenhum contato sólido na área.

Acho que foi quando a ansiedade pegou pesado. Me senti um lixo.

Encontrei alternativa na faculdade de engenharia.  Meu plano de derrotada era simples: ter outra profissão para sustentar meu sonho de escrever. A decisão, claro, era ter dois empregos. Um que pagava as contas e outro que me proporcionaria um mínimo de alegria. Jornada dupla. Cansaço extremo batendo a porta.

Meu estágio em uma construtora foi a gota d’água para ter uma crise de burn out. Sofri assédio de dois chefes (quando estiver melhor preparada mentalmente conto essa história) e engoli muita besteira com o intuito de aprender e ser promovida. Uma promoção que nunca veio e eu só ganhei tremedeira na palpebra e crises de choro como resposta automática para os telefones tocando.

Uma pena que estávamos em uma época em que o assédio no trabalho não era discutido. Eu teria denunciado, por mais que a empresa tentasse me silenciar (como foi o caso quando assinei a demissão).

Isso, claro, só reforçou minha crença limitante de que as pessoas não são confiáveis.

Ligações fazem meus joelhos tremerem ainda. Graças a Deus pelo whatsapp.

Ao subir a rua de volta para casa, com esse sol ardido e atmosfera seca típica de inverno, me lembrei que terminei a rotina de exercícios sem perceber. Todos os musculos doem e estão implorando por um banho para relaxar. Meu cabelo coça com o suor e lembrei que só tenho shampoo para hoje.

Acho que realmente consegui exorcizar alguns demônios no treino de hoje. 

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