Malhando com Ódio - A segunda Semana

 






Dia 8

Como esperado não consegui colocar os pés na academia hoje. Acumulei uma demanda muito grande de clientes e hoje era a data limite para atendê-los. Como deixei tudo friamente calculado, hoje seria dia de descanso dos músculos e deveria fazer apenas um aeróbico.

Segundo o detector de passos do meu celular, andei  onze quilómetros e trezendo metros durante as vistorias. Nada muito puxado se levar em consideração que essa distância foi diluída entre as 8h até as 17h.

Enquanto sentei no ônibus para cobrir a maior distância entre Itaquera e São Mateus, aproveitei para almoçar um pão com ovo, afinal, o orçamento está apertado e não teria tempo para sentar e comer um prato feito em algum restaurante de higiene duvidosa. Não que comer um lanche no ônibus seja um exemplo sanitário.

Comendo meu modesto pãozinho e pensando na quantidade de proteína que estava ingerindo (não faço idéia se está certo para o treino) me veio a voz do meu pai. Do nada. Ecoando na minha cabeça com seu dedo apontado: ‘você tem duas faculdades, duas pós, fala quatro línguas. Como está comendo pão com ovo no ônibus e sofrendo para pagar as contas do mês?’

Novamente lembrei da minha falta de habilidades sociais. Não me falta técnica, me faltam as graças extrovertidas das pessoas que conseguem bons salários apenas com uma boa lábia e contatos influentes. Essa questão social realmente é uma barreira a ser vencida, penso, e logo em seguida, meu lado introvertido arruma um jeito de voltar para a zona de conforto: ‘mas é bem confortável ir de ônibus do que ir dirigindo. Pode ler um livro ao invés de se estressar com o trânsito.’

No fim das contas, acho que precisava ter andando mais alguns quilómetros para calar aquela voz que está impregnada no meu dia-a-dia.

 

Dia 9

Tive uma meia hora de debate interno antes de ir para a academia. Aquela força oposta que me empurra na direção contrária dos meus objetivos ganhou força novamente.

Pensei: bom, já tenho alguma experiência e conheço o professor. Bora lá. Me arrastando, mas fui. O calor seco do inverno queimou minha cabeça o caminho inteiro e para minha surpresa, o professor me ignorou completamente.

Fui em um horário vazio então pensei que teria pelo menos um ‘oi’. Me perguntei se fiz algo errado ou se ele simplesmente estava um dia de humor ruim.

Essas dúvidas em relacionamentos superficiais me incomodam bastante. Por ser insegura sempre me pergunto o que diacho fiz para a pessoa.

Consegui fazer a série por conta própria. Segui para o posto de saúde para tomar as vacinas de covid e influenza. Frustrada, parei no Mc.Donald’s e sabotei um dia de treno.

 

 

Dia 10

Parabéns para mim. No meio da semana estou com o corpo mole e dolorido. Talvez consequencia das vacinas potencializadas pelo treino. Não sei.

A questão é que hoje, apesar de ser uma quarta feira, é dia de ficar na cama e rezar para sobreviver.

 

Dia 11

Olhei no espelho assim que acordei e levei um susto. Ontem não comi bem. Fiquei bastante cansada por conta das vacinas e dormi quase o dia inteiro. Ao me trocar hoje de manhã me vi mais magra que o de costume.

Um esboço de sorriso com uma leve desconfiança me fez escolher uma calça um pouco mais justa. Amo roupas largas. É uma consequencia de uma adolescencia me achando feia e querendo esconder as coxas que insistiam em engrossar.

Por falar em coxas, lembro que elas foram alvo de bullying. Quando fiz oito anos minha mãe me matriculou no balé. A única coisa que reclamavam era do meu cabelo volumoso, pelo menos enquanto era pequena. Por ter companhia da minha prima, consegui manter a rotina até os doze anos. Nessa idade terrível meu corpo resolveu se desenvolver. Eu não era mais a magrela que dançava em um canto na frente. Com uma bunda maior que das outras meninas e coxas que evidenciavam estrias roxas por debaixo da meia calça, a professora começou a me esconder atrás de meninas mais altas.

Talvez aqui tenha tido a minha primeira crise com exercícios. Passei a odiar o balé. Ir para aquele lugar era sinônimo de ter meu brilho apagado. Se é que algum dia tive algum brilho.

Agora na academia talvez isso explique o motivo de querer tantos exercicios para as pernas. Não consigo gostar delas. Acho flácidas e sofro com a gordura na parte de trás das pernas. Como me livrar delas sem drenagem linfática? Afinal, o dinheiro está curto.

Bora passar mais tempo no transpoting.

 

Dia 12

O professor voltou a falar comigo e percebi que ele tem alguns lapsos. Não lembrou meu nome, mas ele estava apenas temporariamente cuidando da sala dos iniciantes.

Ainda estou tentando entender como um pedaço de pizza vai direto para o culote, mas isso me inspirou a aumentar o peso nos equipamentos.

 

Dia 13

A sala dos iniciantes estava fechada e tive que subir para o espaço maior. Decidi que essa hora que passo na academia é um bom momento para ouvir alguns podcasts. É como se conseguisse entrar no meu mundinho e desconectar dos sons (homens rugindo ao levar peso parece que estão parindo) e dos odores desagradáveis.

Particularmente fiquei interessada em tentar o stairmaster. Um simulador de escada que fica no mezanino... acessado por uma escada (contém ironia). Fiquei com medo de cair daquele negócio e fui para o bom e velho transpoting.

Hoje encerro as primeiras duas semanas de academia e como sinto que me tornei repetitiva, acredito que uma atualização quinzenal será mais interessante.  

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