A Nova Lógica do Mercado




Ontem caiu aquela chuva torrencial já esperada em dias de muito calor. Corri para um café para me abrigar, e enquanto ouvia o ruído agradável das gotas de chuva batendo contra a janela, aproveitei para ler as matérias que deixei passar durante a semana.


Uma das matérias que eu guardei para refletir melhor era justamente o anúncio de fechamento das últimas lojas físicas das Livrarias Saraiva. Apesar de recebida com tristeza, não foi uma surpresa para mim (e provavelmente para ninguém que esteja atento a esse mundo pós-Amazon).


Quando minha filha nasceu, eu estava em uma situação financeira péssima. Quando ela fez um aninho, não conseguia levá-la a parques ou qualquer lugar muito longe; então, a levava na Livraria da Vila, dentro de um shopping perto de casa. Tinha uma área para crianças com muitos livros, e ela se divertia a tarde inteira com os livros sensoriais. Essa livraria fechou há anos. A Livraria Cultura seguiu o mesmo caminho.


Há quem coloque a culpa nessa geração atual que vive enfrente às telas e perdeu o hábito de virar as páginas dos livros, mas há anos faço vistorias em imóveis de grandes empresas (redes de restaurantes fast-food e magazines) que estão constantemente revendo seus custos. Um deles, inclusive, é a rede Casas Bahia, que no começo do ano anunciou que estava fechando uma quantidade significativa de lojas para reestruturação.


A crise é de produção, e ela afeta todos os setores.


Compras pela internet com prazos curtos de entrega, pelo que consigo observar, é a principal causa dessa crise. Observo meu próprio comportamento de consumo para tirar essa conclusão: prefiro comprar um livro pela Amazon que receberei no dia seguinte com frete grátis do que me arrumar, pegar o carro, me deslocar até uma loja, comprar o livro (aliás, correr o risco de não encontrá-lo na primeira loja), pagar estacionamento e voltar para casa. São muitas horas de 'movimento' e 'socialização' que economizo com um clique e um pouco de paciência.


A Shein tem um modelo de negócio com quase zero de estoque. Eles economizam em aluguel, funcionários (aqueles vendedores que ficam ociosos até que um curioso entra na loja) e logística. Sai muito mais barato ter um galpão, sem ar condicionado, sem beleza estética para impressionar clientes e exigir agilidade dos prestadores do que investir em lojas vitrines.


Esse modelo também serve para as livrarias. Comprei o livro em paperback Finding Me, de Viola Davis (sim, em teoria uma compra internacional) e recebi no dia seguinte, graças à parceria que a Amazon tem com pequenas gráficas locais. Eles têm estoques do livro em todos os países para ter essa agilidade? Claro que não.


Um novo sistema de produção está surgindo. Ele afeta todos que vão precisar se reorganizar para sobreviver a esse novo modelo. Os clientes (nós) queremos tudo mais rápido e com isso as empresas precisam se adaptar - a custo da precarização do trabalho e da mão-de-obra.


Essa crise não vai afetar apenas as livrarias e grandes magazines, mas também, a médio prazo, vai chegar ao mercado imobiliário, que terá mais lojas e galpões ociosos. Aguarde e verá.


Enquanto isso, lamento que não tenha mais uma livraria no estilo parque de diversões para minha filha. Devo me contentar com a nova lógica de livros por assinatura.


Porque tudo pode mudar, menos a paixão pela leitura.

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