Meu Primeiro Castelo
Era 2005 e eu nunca tinha saído do país. Estava com 20 anos, faltando um ano para terminar a faculdade de cinema e me sentia terrivelmente inferior aos meus colegas.
Tive muita sorte de conseguir estudar em uma faculdade de elite. Lembro inclusive que meus colegas de escola se afastaram, dizendo que virei 'riquinha' e não queriam mais conversa. Mal sabiam eles que eu tinha bolsa na faculdade e meu pai trabalhava muito para pagar o restante da mensalidade.
Eu ficava em um limbo onde não era pobre, nem rica. Não conseguia mais sair com os colegas do ensino médio e não tinha dinheiro (e nem intelecto) para acompanhar meus colegas de faculdade.
E foi com 20 anos onde pude, pela primeira vez, sair do país. Em junho de 2005 pousei em Milão, determinada a ter uma experiência real onde poderia trocar conhecimento com meus colegas no semestre seguinte.
Nunca me senti tão maravilhada. A Piazza del Duomo me deu uma esbofeteada com sua grandiosidade. Fiquei sem ar quando vi aquela igreja gótica incrível, com mais detalhes do que meus olhos poderiam absorver. Era simplesmente maravilhoso ter a sensação que estava pisando em um local que só existia nas páginas dos livros.
Se o Duomo foi uma experiência incrível, ao pisar no Castello Sforzesco, onde tive o primeiro contato com Leonardo Da Vinci, parecia que eu tinha entrado em um mundo paralelo.
A sensação de entrar em castelo já era surreal para uma pessoa que nasceu na periferia de São Paulo e raramente visitava locais culturais tradicionais como o MAM, a Avenida Paulista, MUBE e tantos outros. Lembro que ar era fresco, alguns graus mais baixo que a temperatura escaldante do verão italiano.
O mármore dos grandes salões era estranhamente macio de pisar (onde já se viu isso?) e as portas imponentes de madeira e ferro dividiam espaços que abrigavam uma coleção de armas e armaduras que eu só tinha visto nos filmes.
Os corredores das muralhas eram furados (espaços para se colocar as armas em caso de combate) e os tijolos beges, esfarelentos, pareciam transportados por um portal de quinhentos anos.
Eu, sempre rodeada de reboco liso, tinta branca e casas de no máximo cinquenta anos e sem peso histórico, entendi ali a importância da preservação das nossas memórias.
Quando escrevi meu primeiro livro, ambientei ele em um castelo medieval, ainda sem noção do que era entrar efetivamente dentro de um. Retornei as páginas que ainda considerava editáveis para adicionar as impressões de passear pelos corredores gelados, pelos jardins bem cuidados e a sensação de estar sozinha naquela imensidão no meio da noite.
Como aspirante a escritora e focada em escrever roteiros, comprei um caderninho e preenchi as páginas com emoções, sensações e memórias afetivas que sempre lembro quando preciso ambientar alguma história.
Talvez meus amigos do colégio tenham razão e eu fiquei um pouco 'fresca' depois de algumas experiências e me sinto péssima em dizer que sim, é um privilégio que poucos conseguem ter.
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