O Menino e a Garça.

 





Ontem assisti O Menino e a Garça.

Quando eu estudava cinema e queria assistir um filme do Miyazaki, tinha que atravessar São Paulo, pegar dois ônibus e metrô para chegar no centro de São Paulo, encontrar um cinema de arte naquele circuito  Cinesesc - Espaço Itaú que ainda era Espaço Unibanco na época. E, ao chegar lá, assistir praticamente uma sessão sozinha.

Então, o primeiro nózinho da minha garganta que veio nesse filme foi ver a proporção que o Miyazaki tomou. Claro que Óscar e prêmios da indústria ajudam muito, mas eu acho que não é só isso. É como que um cinema de contemplação – algo artesanal - que ele faz consegue tocar as nossas almas, mesmo hoje, enquanto tudo está muito rápido.

Inclusive, vi críticas na internet dizendo que um filme do Miyazaki dá sono, porque ele tem um ritmo lento. Para essa pessoa convido a rever um pouquinho os filmes que você está assistindo e a refletir o quanto que Hollywood não te contaminou.  Esse ritmo que você está acostumado, esse ritmo Vingadores, que tem pau a cada 10 minutos e obrigatoriamente uma piadinha na sequência, talvez esteja te induzindo a perder uma boa parte da sua vida para a velocidade dessa narrativa que Hollywood quer que você consuma.

Voltando agora para o Menino e a Garça: É um filme muito autoral do Miyazaki, então ele tem alguns temas em comum com a vida do diretor.

Miyazaki está com 83 anos e estão dizendo que é o último filme dele por causa da idade, mas eu ainda acredito na longevidade desse senhorzinho e eu espero, sinceramente, que ele nos traga mais alguma coisa maravilhosa por aí, que ele tenha pelo menos mais uns 30 anos de vida.

É uma revisão de sua obra. Encontramos elementos de Totoro, Chihiro, Howl, Kiki, Mononoke, enfim... é um filme de celebração que a Disney não conseguiu fazer com Wish.

O filme mostra a história do Mahito, um garoto que perdeu a mãe dele num incêndio durante a Segunda Guerra Mundial (em uma sequencia de animação feita com maestria). Apenas dois anos depois disso, o pai dele o leva para o campo pra ele morar com a tia que é agora a nova esposa do pai. Sim, além da mãe dele ter morrido, o pai dele fez o favor de casar com a irmã mais nova da mãe.

Mahito vai mudar o cenário dele loucamente. Da vida de Tóquio, que provavelmente era algo mais agitado, ele vai pro campo onde tá praticamente sozinho com várias velhinhas e a tia grávida.

Mahito é imediatamente incomodado pela garça.  Por conta da sua situação, por ser pré-adolescente, ele é marrento, fica na defensiva e quer matar a animal. O pai, que é a única figura que o liga a antiga normalidade, vai trabalhar lá perto numa fábrica de aviões de guerra. E o garoto, que é rico, vai pra escola de agricultores onde arruma briga e na volta para casa ele pega uma pedra, se bate na cabeça e abre um corte enorme na cabeça, se faz de coitado, de vítima e consegue o que quer – não ir para a escola.

Aqui vemos que ele é uma criança, mas ele não é uma criança inocente, boazinha, como quase todas as outras do estúdio. Como as crianças do Totoro, como a própria Chihiro.

Os Studios Ghibli fazem filmes bastante alegóricos. Então, sempre temos muitas interpretações. Eu interpretei a Garça, como o próprio estúdio, como a criatividade, como os desenhos, os filmes e todo esse escapismo que nos convida a deixar a realidade cruel para trás.

E em vários momentos, os personagens em volta diz que a Garça é uma mentirosa. E não é isso que é animação, não é isso que é o cinema? A Garça diz que a mãe de Mahito está viva, ele a recria e diz que pode fazê-la quantas vezes quiser dentro daquele mundo fantástico. O garoto sabe que é mentira, mas entra no jogo mesmo assim. Ele quer ver.

Em paralelo, temos o tio-avô que ficou louco depois de ser muitos livros e construiu o seu próprio mundo. Ele tem um senso divino de sabedoria e quer passar o seu mundo perfeito a Mahito, que recusa após admitir que ele não pode comandar um lugar perfeito, porque ele mesmo tem um pouco de maldade dentro de si.

E o garoto entra nesse mundo fantástico e ele encontra a mãe, que é uma garotinha na história. Entendemos aqui que o passado e o futuro se misturam. A mãe de Mahito conversa com a irmã mais nova – a tia de Mahito – diz que ela deve aceita-lo, que ela será a nova mãe dele e o garoto, também deve aceitar a nova posição da tia, apesar de ambos estarem muito machucados com as circunstâncias.

Mahito tenta salvar a mãe, impedindo que ela saia daquele mundo, mas ela aceita que irá morrer, mas que vale a pena encarar esse destino porque ela será a mãe do garoto nesse breve período.

É importante falar dos periquitos.  Em uma parte do mundo eles são uma espécie invasora.  Eles são uma alegoria dos militares, tanto que o periquito rei se chama Duche – o facismo. Mahito precisou recorrer a pássaros para entender o que estava acontecendo com o mundo dele, foi como sua mente de criança interpretou a guerra, com passarinhos comedores de gente tentando tirar o equilíbrio que viviam.

Miyazaki sempre fez filmes agridoces. É tudo muito bonito, tudo muito colorido, tudo muito psicológico, bucólico. Mas você não fica um filme dele sem um nózinho na garganta, você não vê um filme dele e sai nenhum incômodo.

O Menino e a Garça é o tipo de filme que você precisa assistir 20 vezes e cada vez terá uma interpretação diferente e vai ficar pensando nele por alguns dias. 

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